INTRODUÇÃO
Na população geral, a incidência das variações anatômicas da artéria hepática variam de 20 a 50% em diferentes séries4,11,13,23. Desde o artigo original de Michels et al.20, vários estudos têm seguido o seu trabalho e desenvolvido sistemas de classificação para as variações anatômicas das artérias hepáticas1,10,12,13,17. Por conseguinte, a procura pelo diagnóstico destas variações e o desenvolvimento de técnicas de reconstrução vascular para otimizar a irrigação da árvore biliar e do enxerto hepático atingiram importante papel16. De fato, o aumento do conhecimento da posição anatômica tridimensional destes vasos e o progresso tecnológico em reconstrução vascular tem levado ao desenvolvimento de técnicas que objetivam o re-estabelecimento do fluxo sanguíneo hepático9,18,21,27. Além disso, estudos de radiologia intervencionista têm mostrado que a posição do vaso é muito importante para o comportamento reológico de muitas variantes anatômicas e de reconstruções vasculares realizadas10. Sendo assim, a qualidade da reconstrução vascular é essencial para a prevenção de trombose arterial que no fim leva à perda do enxerto.
Nas variações anatômicas nas quais existem uma artéria hepática substituta ou acessória (AHS/A) proveniente da artéria mesentérica superior, a reconstrução através da anastomose da artéria mesentérica superior (AMS) com o tronco celíaco as vezes produz torção e problemas de fluxo. Desta forma, o propósito desta técnica foi buscar uma alternativa para a reconstrução da AHS/A que permita orientação vertical e beneficie o fluxo sanguíneo. A técnica proposta obteve os quesitos mencionados e no ponto de vista dos autores é a melhor modalidade de reconstrução vascular para esta variação anatômica.
TÉCNICA
Inicialmente, a variação anatômica da artéria hepática direita vindo da artéria mesentérica superior é identificada. Então, as artérias hepáticas são cuidadosamente dissecadas mantendo-se a integridade do ramo da AMS para o fígado (que frequentemente tem diâmetro pequeno). Em seguida, os pequenos ramos da AHS/A para o pâncreas são ligados e seccionados para expor a artéria até o fígado.
Um pequeno tronco da artéria esplênica é preservado para realizar a anastomose com o “patch” da AMS. Um comprimento pequeno de coto da artéria esplênica é o bastante, pois o comprimento da AHS/A é sempre suficiente para permitir esta anastomose. Este procedimento também permite a captação simultânea de pâncreas, pois não necessita de longa artéria esplênica ou AMS para a reconstrução vascular.
A seguir, secciona-se um segmento da AMS (5 mm de comprimento em cada lado dos ramos hepática) e então abre-se longitudinalmente o lado oposto do cilindro, preparando um “patch de Carrel” com os 5 mm radiais do óstio da artéria. Ele é ajustado para o tamanho do óstio da artéria esplênica removendo-se o excesso da AMS ao redor do ramo.
A seguir, realiza-se a anastomose do “patch” da AMS com a artéria esplênica, checando o comprimento e a orientação tridimensional para evitar tensão ou torções. Essas são condições essenciais para manutenção de um bom fluxo. A anastomose é realizada com fio de polipropileno 7.0 e sua permeabilidade e integridade é verificada através da injeção de solução de preservação para testar o fluxo (Figura 1).
Após a realização da anastomose arterial, a posição do “patch” da AMS e da artéria esplênica são verificadas mantendo-se orientação vertical dos ramos hepáticos, assegurando fluxo adequado.
O fluxo sanguíneo hepático é verificado por ultrassonografia com Doppler no primeiro e quinto dias do pós-operatório.
Essa técnica de reconstrução de AHS/A foi realizada com sucesso em quatro casos consecutivos de transplante hepático dentre um no total de 120 transplantes com doador falecido durante o ano de 2010 pela mesma equipe cirúrgica, no Serviço de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Na Figura 2 mostra-se operação de bandeja típica com reconstrução AHS/A. Observa-se que esse procedimento, realizado como descrito, facilita a subsequente anastomose arterial. Depois da reconstrução na bandeja, verifica-se que essa técnica permite bom fluxo da solução de preservação.
Após o transplante, o fluxo sanguíneo hepático foi verificado no primeiro e quinto dias do pós-operatório através da realização de ultrassonografia com Doppler. A patência de ambos os ramos da artéria hepática confirmaram o sucesso da técnica de reconstrução empregada.
DISCUSSÃO
A técnica proposta utilizando um “patch de Carrel” da AMS nos casos de AHS/A é método fácil e efetivo de reconstrução capaz de promover posicionamento estável desses vasos após a anastomose. O “patch de Carrel” demonstrou menor incidência de trombose (16). Além disso, essa técnica evita torções ou dobras do tronco celíaco, permitindo que a artéria hepática forme um “Y” com a AHS/A, semelhante à bifurcação natural da artéria hepática própria.
As variações anatômicas arteriais devem ser tratadas cuidadosamente, evitando lesões e permitindo reconstruções arteriais12,14,24. A anatomia vascular hepática se tornou particularmente importante com o desenvolvimento da cirurgia hepática e dos transplantes1,4,6,11,18,26,28. Como a presença de uma AHS/A ramo da AMS é uma das variações anatômicas mais frequentemente encontradas, vários autores sugeriram alternativas técnicas para sua reconstrução nos transplantes hepáticos3,15,17,23,27. Entretanto, não existe consenso de qual a melhor técnica a ser empregada.
Acredita-se que a técnica de reconstrução utilizando a artéria esplênica com um “patch de Carrel” da AMS (Figura 1) tem várias vantagens: 1) o calibre da artéria esplênica é sempre maior que da AHS/A, proporcionando melhor fluxo, especialmente no cirrótico8,24. Assim um melhor fluxo chega ao óstio e a anastomose realizada é de maior calibre; 2) o uso do “patch de Carrel da AMS permite anastomose mais fácil sem a necessidade de redução do calibre do ramo; 3) quando o “patch de Carrel” não é utilizado, o pequeno calibre da AHS/A cria um desafio na anastomose devido à desproporção com o calibre da artéria esplênica; 4) em posição anatômica, o tronco celíaco se direciona posteriormente e a artéria esplênica é inferior e direciona-se para posterior em relação ao tronco celíaco. Após a aorta ser seccionada e o tronco celíaco ser retificado, a artéria esplênica se dirige para a direita, indo de encontro com o ramo da artéria mesentérica superior, permitindo anastomose em posição adequada (Figura 2); 5) o comprimento da AHS/A é sempre suficiente para permitir boa anastomose no coto esplênico; 6) a anastomose com a artéria esplênica permite outras opções para realização da anastomose no receptor do transplante (“patch” da aorta, tronco celíaco, artéria gástrica esquerda, “patch” da artéria gástrica esquerda); 7) o tronco celíaco mantém posicionamento adequado após a reconstrução para realização da anastomose no receptor; 8) apenas um pequeno coto de artéria esplênica é necessário além da AMS, o que permite a captação simultânea do pâncreas, já que a artéria pancreática inferior normalmente encontra-se a uma distância maior que 1 cm da AHS/A na maioria dos casos7.
Apesar do uso do coto da artéria esplênica para anastomose da AHS/A ter sido previamente descrito nessas reconstruções2,11,21,25, estes autores são os primeiros a descrever as vantagens da técnica utilizando um “patch de Carrel” para reconstrução vascular na operação de bandeja. O “patch de Carrel” é bem conhecido na cirurgia vascular, entretanto, os de ramos hepáticos são usados também para anastomoses arteriais na operação do receptor no transplante hepático, tendo sido descrito inicialmente por Quinones-Baldrich et al.22. Além disso, a utilização de “patchs” no transplante hepático está relacionada à baixa incidência de complicações arteriais5, e a sutura fora do óstio é mais fácil para o cirurgião.
CONCLUSÃO
Os resultados preliminares com esta técnica mostram que a reconstrução da AHS/A através do uso de um “patch de Carrel da AMS diretamente no coto da artéria esplênica é boa alternativa, preservando o fluxo arterial, garantindo adequado posicionamento tridimensional e mantendo o eixo final do tronco celíaco após a anastomose arterial na operação do receptor do transplante hepático. Por essas razões os autores recomendam essa técnica para reconstrução da AHS/A na operação de bandeja.
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